sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Poema para os olhos de minha mãe


minha avó materna não deixou fotografia
morreu de parto
numa manhã de inverno
aos trinta e dois anos de idade
em sua própria cama
deixando seis órfãos, um marido devastado
e uma casa para sempre vazia

dizem que era bela
com seus cabelos negros
e o olhar azul profundo
a espiar o tempo

minha avó materna era judia
como a sua mãe, a mãe de sua mãe
a mãe da mãe de sua mãe
e a sua filha
como a filha de sua filha
e a filha da filha de sua filha

dizem que era forte
com seu corpo esguio
atravessando os vales
a desafiar a sina

minha avó materna não nos legou seu sobrenome hebreu
pois o perdera antes mesmo de nascer
também jamais lhe escutaram pronunciar a língua

nenhuma carta, nenhuma joia, nenhum caderno de receitas
nenhuma velha Torá no fundo falso de um baú
nenhuma fotografia
somente sua ausência
seu sangue antigo em nossas veias
e uma dor quieta
e infinita
 nos olhos ternos de minha mãe

16 comentários:

  1. Também fiquei emocionada. Ler um poema desses dentro do mais imenso frio, é de um aprofundamento grande. Parabéns, amiga!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Minha amiga, obrigada pela leitura, por tudo tudo tudo. Bjs.

      Excluir
  2. Mônica sempre me deixa sem palavras. Desperta em mim sentimentos que calam fundo na minh'alma, remexem o passado e trazem à tona a lembrança de um amor eterno e incondicional. O amor pelos nossos. Lindo como você Moniquinha. Bjs Abigail Bastos

    ResponderExcluir
  3. Respostas
    1. Ana, saudades de você. Venha logo me visitar. Bjs.

      Excluir
  4. Escrever sobre as mulheres, que de forma encadeada, são responsáveis por nossa existência, é sempre desafiador, porque de seu amor somos fruto e é muito difícil ao fruto versar sobre a árvore. Belíssimas palavras! Parabéns Mônica!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada, Sandra, pela sua visita, pelas leituras generosas. Volte sempre. Abraços.

      Excluir
  5. Lindo demais. Amo a tua poesia. Bjs

    ResponderExcluir
  6. Amei a musicalidade dessa estrofe:
    "minha avó materna era judia
    como a sua mãe, a mãe de sua mãe
    a mãe da mãe de sua mãe
    e a sua filha
    como a filha de sua filha
    e a filha da filha de sua filha"

    Além disso a melancolia me pegou por aqui:
    "nenhuma fotografia
    somente sua ausência
    seu sangue antigo em nossas veias
    e uma dor quieta
    e infinita
    nos olhos ternos de minha mãe"

    De forma inteira percebi o poema em um suspiro profundo.Amei! abraço apertado.:D

    ResponderExcluir
  7. Obrigada, Anna, Lidi e Naiana, pela visita. Bjs

    ResponderExcluir