Passei os últimos dias morando no romance Coivara da memória, do sergipano
Francisco J. C. Dantas. Sim, morando, pois me senti em casa; encontrei em seus
personagens muitos dos homens e das mulheres com as quais convivi na infância;
reconheci nas suas palavras a mesma língua falada na casa da minha mãe e
passeei pelas suas paisagens como se delas fizesse parte.
Li sovinamente o livro, economizando páginas, aproveitando
cada parágrafo, cada imagem, cada palavra, das inúmeras palavras belamente esculpidas
por esse escritor que, embora seja admirado por nomes como Carlos Barbosa,
Florisvaldo Matos, Leyla Perrone Moisés, Raduan Nassar, Benedito Nunes, José
Paulo Paes, Alfredo Bosi, entre outros, é pouquíssimo lido no Brasil,
levando-se em conta a força da sua literatura.
Não vou aqui resumir a obra. Mas transcrevo abaixo um
pequeno trecho do romance que encanta pelo uso exato de palavras que se dobram,
desdobram e redobram numa profusão de imagens inesquecíveis.
***
“No intervalo do momentinho em que ela arrepanhou a saia
para pular o fio de água que corria sob as biqueiras da cancela do engenho,
nesse minúsculo relâmpago de tempo, meus olhos bateram nela e sua imagem se
petrificou nestas retinas num ímpeto tão instantâneo como a luz que bate e se
deixa aprisionar numa chapa fotográfica, uma luz que chega para marcar e ficar.
Mal e mal assim a vi e me dei todo, estonteado como nunca no descompasso do
abalo. Numa pasmaceira medonha e de miolo meio mole fiquei de longe com o olho
duro pregado nela, apreciando a doçurinha que se abria toda catita, aveludando
lepidamente aquela manhã.”
DANTAS,
Francisco J. C. Coivara da memória.
3. ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2001. p. 212.
Faz vergonha eu ainda não ter lido esse autor; Incrível tal lacuna imperdoável diante da torre de babel literária.
ResponderExcluir