Li nos últimos dias Os
judeus sem dinheiro, de Michael Gold. Apesar do título do livro não ser
nada sedutor, esta foi uma leitura impactante, inesquecível para mim. Trata-se
de uma autobiografia romanceada de um judeu cujos pais migraram para os EUA
fugindo dos pogroms e em busca do
sonho americano. Poderia ser simplesmente uma história sobre judeus pobres
lutando pela sobrevivência em um gueto de Nova York. No entanto, é contada com
tanto lirismo e simplicidade que foi – e ainda é – considerada por muitos
escritores uma pequena obra-prima. Não li por isso, mas por um interesse que tem
me mobilizado nos últimos tempos, e que não importa contar agora.
Abaixo uma pequena amostra.
“Lembro-me de outra manhã na primavera.
Sempre quis saber o que acontecia no quarto de uma meretriz depois que ela entrava
com o “freguês”. Naquela manhã Nigger me mostrou.
Uma das garotas, Susie, tinha pescado um
carroceiro, um gigante ruivo. Ele refreou os cavalos, desceu da boleia e veio
lhe falar. Foram então para o quarto dela.
Nigger e eu os seguimos. Era no andar
térreo do meu prédio. Silenciosos como detetives, olhamos pelo buraco da
fechadura. O que vi fez meu coração bater apressado e meu rosto enrubescer de
espanto.
Nigger ria silenciosamente. Reparou que
eu estava abatido, e isso o divertia. O casal se levantou. Esgueiramo-nos pelo
vestíbulo de volta ao sol.
_ Você ficou com medo – disse Nigger.
_ Não – eu respondi.
_ Ora! – disse Nigger. _ Todo mundo faz
isso! É como se fazem os bebês!
_ Não – disse eu, com indescritível
amargura. _ Não é assim.
_ É claro que é – Nigger insistiu. _ Quanto
quer apostar?
_ Mas isso é como dizer que minha mãe
também é assim! Você é um mentiroso, Nigger!
Niger encostou o rosto no meu.
_ Duvido de você repetir. – Seus olhos
brilhavam com ódio.
_ Você é um mentiroso! Minha mãe não é
assim!
Nigger me desfechou um gancho e
esmurrei-o de volta. Num instante, éramos um emaranhado de pés e punhos. Minha turma
de pequenos habitantes do East Side se juntou em volta para ver. Ficaram
admirados com a minha coragem; Nigger era o fortão da turma. Mas não se tratava
de coragem; era o suicídio voluntário de quem perdera a fé.
O combate foi rápido e desigual. Fui
imprensado, golpeado, chutado e derrotado por uma saraivada de socos. Do meu
nariz escorria sangue. Um olho inchado. Finalmente, fugi. Escapei daquele
círculo de caras risonhas. Durante horas, fiquei cismando comigo mesmo no pátio
traseiro, em cima de uma pilha de tijolos velhos. Quando anoiteceu me arrastei
para casa.
Minha mãe ralhou comigo e perguntou o
que tinha acontecido. Não queria lhe contar. Não suportava olhar em seu rosto.
Sentia que de algum modo ela me traíra. Levei anos para aprender que o sexo pode
ser bom, como pode ser ruim; pode ser algo mais do que aquilo que os
carroceiros compravam por cinquenta centavos na minha rua.”
GOLD, Michel. Judeus sem dinheiro. Trad. Mário Molina. Rio de Janeiro: Record, s/d.
Belo trecho, amada minha. Irei até esse livro, em breve. Bjsamovc, (carlos)
ResponderExcluirGostei demais dessa frase final: "Levei anos para aprender que o sexo pode ser bom, como pode ser ruim (...)".
ResponderExcluirDeu vontade de ler.
Bjos
"...era o suicídio voluntário de quem perdera a fé." Muito lindo isso! Encantador a forma como ele narra uma briga de criança, que já nesse momento tem despertado em si uma profundeza sobre a dor. Os suicídios voluntários nos ajudam a ser adulto, a crescer, e certamente nos fazem sermos mais duros. Excelente indicação Mônica...a seu tempo vou adquiri-la. Abraço!
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