quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Moradas



Então vou passando, vejo uma casa
e penso que deve ser bom morar nela.
Desde menino me ponho vivendo
em várias casas que encontro pelo caminho
e até em algumas que edifico
na imaginação.
Olho da estrada uma casinha na serra
e eis-me ali sentado num banquinho rústico,
fumando cigarro de palha.
Às vezes me apaixono por um portão,
ou árvores da entrada,
ou a forma acolhedora de um telhado.
Também podem ser edifícios,
sobretudo com varandas floridas
 e protegidas por toldos.
Uma das fascinações mais antigas são as mansardas,
como as da Bahia velha,
Paris, Roma, Veneza e Lisboa
(onde fiquei pensando que poderia ser sempre
“o da mansarda”,
como se viu Fernando Pessoa).

Há alguns anos desejei violentamente
habitar uma casa de pedra
em Santiago de Compostela.
Subindo as ruínas de Delfos,
pus-me a apreciar a paisagem magnífica
a partir da casa branca, imaculada,
que acabara de sonhar
lá no alto.

Não é que eu não esteja satisfeito onde estou,
é outra coisa.
Uma coisa que me diz que só estarei morando
em definitivo
num lugar maravilhoso que saberei ser
o fim do mundo.


Ruy Espinheira Filho


Não tenho tido vontade de escrever, de falar. Às vezes acontece comigo a necessidade de apenas observar o mundo, as pessoas, e de simplesmente existir, quieta. Mas tenho lido, e um dos últimos livros que li foi o inesquecível Viagem & Outros Poemas (P55, 2011), de Ruy Espinheira Filho. “Moradas”, o poema transcrito acima, é o mais belo dessa obra. Na verdade, na minha humilde opinião, é um dos mais belos que já li na vida. Talvez porque eu também me apaixone perdidamente por portões, telhados, árvores da entrada, varandas floridas e protegidas por toldos e, sobretudo, por velhas casas com mansardas.

Imagem: Mansarda portuguesa. Disponível em: http://olhares.uol.com.br

5 comentários:

  1. Maravilhoso, de fato, o poema. Obrigada por compartilhá-lo conosco. Bjos

    ResponderExcluir
  2. Gostei do poema também. Imaginei cada verso, e me encontrei na última estrofe...lembrei de uma casa que sempre que passo por ela,penso: "adoraria morar aqui".
    abraço apertado!!!

    ResponderExcluir
  3. Monica:
    O poeta Alberto da Costa e Silva gostou tanto de um poema meu, que havia lido no Rascunho, que acabei dedicando-o a ele, como foi publicado em Elegia de agosto. Assim, como você gostou tanto de Moradas, quando ele sair de novo será dedicado a você. Abraço grande, Ruy.

    ResponderExcluir
  4. Grande poema. Saudade dos teus.
    Abs

    ResponderExcluir
  5. Belíssimo poema, M. Gosto muito da poesia do Ruy. Bjs

    ResponderExcluir